A PEC 45 e o funcionamento do IVA
- rafaelk2077
- 12 de set. de 2023
- 7 min de leitura
Jabuticaba é como funciona atualmente o regime brasileiro, falido em diversos sentidos
Há aqueles que não querem uma reforma tributária, por razões óbvias: ganham com as complexidades tributárias. Afinal, são R$ 7,5 trilhões gastos em litígios anualmente. A simplificação, a desburocratização, a ampliação da base sobre a qual as empresas tomarão créditos e a indistinção entre bens e serviços são características do Imposto de Valor Agregado (IVA), que acabarão com a maioria desses contenciosos. Há outros, porém, que estão confusos com relação ao funcionamento do IVA. Não só porque a linguagem tributária é hermética, mas porque não estão acostumados ao conceito da não cumulatividade plena de um IVA. É para este grupo que este texto foi escrito.
Pretende-se mostrar a lógica do IVA dual (CBS e IBS), o novo sistema que substituirá os cinco tributos sobre o consumo (ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins) atuais, a partir de um exemplo hipotético criado para fins didáticos. Suponha uma cadeia produtiva com três transações entre quatro agentes econômicos: o produtor rural vende para a indústria, que vende para o mercadinho, que vende para o consumidor final. Suponha, também, que uma alíquota de IVA total (CBS e IBS) de 25% por fora[1] ocorra em todos os elos da cadeia. Por fim, suponha que os valores de venda sem tributos sejam de: R$ 100 (produtor rural para a indústria), R$ 200 (indústria para o mercadinho) e R$ 300 (mercadinho para o consumidor final).
A primeira transação ocorre da seguinte forma:
1) O produtor rural destaca na nota fiscal eletrônica (NFe) de saída/venda o valor de R$ 25, relativo à alíquota de IVA (25% de R$100);
2) A indústria[2] paga ao produtor rural os R$ 25 de tributo recolhido. Para a indústria, que está no meio da cadeia, trata-se de um desembolso, e não de um custo. Desembolso significa um pagamento com direito a ressarcimento de crédito pelo fisco, e custo significa um pagamento sem direito a crédito pelo fisco. O desembolso total da indústria é R$ 125, soma entre valor do produto sem imposto (R$ 100) e o tributo (R$ 25);
3) O produtor rural recolhe ao fisco[3] a diferença entre o tributo constante na sua NFe de saída/venda, R$ 25, e na sua Nfe de entrada/compra de insumo, R$ 0. Isto é, o produtor rural recolhe R$ 25 ao fisco. Este é o IVA referente à primeira transação.
No final, o produtor rural pagou liquidamente zero em termos de tributo, sendo completamente desonerado, pois foi a indústria que desembolsou o recolhimento do tributo feito pelo produtor rural, de R$ 25.
A segunda transação ocorre assim:
1) A indústria destaca na NFe de saída R$ 50, relativo à alíquota de IVA (25% de R$ 200);
2) O mercadinho paga à indústria estes R$ 50 de tributo. Para o mercadinho, assim como para a indústria, trata-se de um desembolso, e não de um custo. O seu desembolso total será, portanto, de R$ 250, soma entre produto sem imposto (R$ 200) e o tributo (R$ 50);
3) A indústria recebe crédito de R$ 25, pois foi esse valor que a indústria foi onerada na sua compra junto ao produtor rural;
4) A indústria recolhe ao fisco a diferença entre o tributo constante na sua NFe de saída, R$ 50, e na sua NFe de entrada, R$ 25, resultando em um recolhimento líquido de R$ 25. Este é o IVA referente à segunda transação.
Da forma análoga ao que ocorreu na primeira transação, a indústria pagou liquidamente zero em termos de tributo, sendo completamente desonerada, pois o desembolso referente ao tributo na transação 1 (produtor rural – indústria) foi recebido em formato de crédito. Já os R$ 50 que a indústria recolhe são repassados para o mercadinho, quem paga (pois ele terá direito a este crédito depois), não incorporando o valor como um custo.
Por fim, na terceira transação ocorre o seguinte:
1) O mercadinho destaca na NFe de saída R$ 75 de IVA (25% de R$ 300);
2) O consumidor final paga ao mercadinho um total de R$ 375, sendo R$ 75 de tributo. Estes R$ 75 representam um custo para o consumidor final, e não um desembolso como nos casos anteriores, pois ele não tem direito a receber crédito;
3) O mercadinho recebe crédito de R$50, valor que foi onerado na sua compra junto à indústria; e
4) O mercadinho recolhe ao fisco a diferença entre o tributo constante na sua saída, R$ 75 e na sua entrada, R$ 50, perfazendo um recolhimento de R$ 25. Este é o IVA referente à terceira transação.
Como a soma dos IVAs recolhidos ao longo da cadeia resulta em R$ 75 (três parcelas de R$ 25), mas a administração tributária credita na mesma quantia, o fisco não arrecada nada ao longo da cadeia. O seu ativo (recolhimento) é igual ao seu passivo (creditamento). O imposto recairá de fato somente sobre o consumidor final, que não tem direito ao crédito do fisco e pagará R$ 75 (25% sobre R$ 300), consumindo o seu produto ou serviço a um custo total de R$ 375.
Antes de prosseguir, valem três observações.
A primeira é que o IVA é não cumulativo sobre uma base ampla. Por isso, é dito que o IVA é neutro. Quando um tributo é neutro, o produtor/empresário/vendedor pode optar por se verticalizar apenas por razões de eficiência econômica, jamais por planejamento tributário, uma vez que o tamanho da cadeia é indiferente na sua alocação de recursos. Ele também se instalará onde houver maior eficiência alocativa, independentemente de razões tributárias. Note que o IVA se diferencia do ISS, que é cumulativo e incide sobre o faturamento.
A segunda observação é que o IVA proposto na PEC 45 tem características similares ao ICMS, que abate créditos e incide sobre o valor agregado. As diferenças são duas. A primeira é que, com a PEC 45, o crédito terá base ampla, isto é, o direito ao crédito recai sobre todos os insumos que o adquirente comprar, o que não acontecia com o ICMS. A segunda é que quem devolverá os créditos não serão os tesouros dos entes (que nem sempre repassam ao sujeito passivo o que dele é de direito), mas o Conselho Federativo (que garantirá ao empresário que o creditamento ocorrerá quase automaticamente). Por estas duas razões, os produtores/empresários/vendedores que investem e produzem serão completamente desonerados, assim como serão as exportações, o que fomentará os investimentos e o crescimento econômico.
A terceira observação é que, para entender os impactos esperados com o IVA, é importante compreender a diferença entre “equilíbrio parcial” e “equilíbrio geral”. De fato, a imposição de um imposto encarece um determinado mercado, reduzindo a quantidade demandada. O tamanho dessa redução dependerá da sensibilidade da demanda a alterações no preço, o que os economistas chamam de “elasticidade-preço”. Similarmente, a quantidade ofertada também pode variar.
Na última transação, por exemplo, pode ser que o mercadinho não consiga repassar todo o tributo (R$75) para o consumidor final. Suponha que o preço era R$ 350, sendo R$ 50 de tributo (16,7%), e houve aumento de tributo, que passou para R$ 75 (25%). Suponha também que o mercadinho não consiga vender o bem ou o serviço por R$ 375, mas pelos mesmos R$ 350. Neste caso, o valor da mercadoria sem imposto seria R$ 280 (R$350/1,25) e o IVA repassado ao consumidor seria a diferença (350-280), de R$ 70. Ou seja, o mercadinho teve que reduzir o valor líquido da sua venda em R$ 20 e o valor destacado na NFe de saída foi de R$ 70 e não de R$ 75. Se o consumidor final pagar R$375, o mercadinho terá conseguido repassar a ele todo o imposto, indicando possuir poder de barganha melhor do que o consumidor final.
Portanto, a depender das elasticidades-preço de oferta e demanda do último elo da cadeia, onde o pagamento é custo e não desembolso, o consumidor final não necessariamente comprará um bem ou serviço a um custo total maior do que está acostumado a fazer hoje (imaginando um aumento na alíquota). O consumidor final pode tentar migrar para outros fornecedores/vendedores/concorrentes, que cobrem um preço final mais barato do que R$ 375. Ele também pode passar a comprar bens ou serviços substitutos àquele que ele comprava no mercadinho.
Ou seja, no caso de um aumento de tributo, quem está à montante na cadeia é imediatamente impactado, e pode ter que reduzir a sua margem. No decorrer do tempo, entretanto, se o consumidor final não aceitar pagar todo o aumento no preço final, a margem de cada um na cadeia pode ser diminuída, a depender das elasticidades-preço de demanda e oferta de cada agente envolvido nas transações.
Observe que, como todos os concorrentes terão a mesma (nova) alíquota majorada, a única forma do concorrente ao mercadinho “roubar seu cliente” é diminuindo o seu preço antes do imposto. Mas se o concorrente já não o “rouba” hoje, por que o roubaria com o novo imposto majorado? A alíquota é a mesma para todos os ofertantes. Se ela aumentar, a depender da substituibilidade/ necessidade do bem ou serviço, pode ser que o mercadinho não veja seu consumidor final migrar para um concorrente, ainda que possa haver uma redução de toda a demanda do mercado.
Esta é uma resumida análise em equilíbrio parcial, ou seja, observando o que ocorre apenas em um mercado quando o preço final varia.
No entanto, a mudança proposta pela PEC 45 não afeta apenas um mercado. Por exemplo: o aumento do preço do sapato reduz a demanda por meias (bem complementar) e aumenta a demanda por sandália (bem substituto). Estas variações, por sua vez, alteram outros mercados. Se for introduzida uma única alíquota média de imposto na economia (caso concreto da PEC 45), ocorrerá um realinhamento geral de todos os preços finais da economia.
Assim, os consumidores irão observar que alguns bens ou serviços foram barateados e outros encarecidos, e cada bem ou serviço pode ter maior ou menor importância para cada consumidor. Quando há um realinhamento geral nos preços finais em todos os mercados da economia, analisar ganhos e perdas em cada mercado se torna bem mais complexo.
Para finalizar essa resumida análise em equilíbrio geral, como no médio/longo prazo a literatura nos ensina que deverá haver crescimento econômico acima daquele esperado sem a reforma tributária, pela via da produtividade, é muito provável que a grande maioria, senão todos, os consumidores finais saiam ganhando. Há estudos nesta direção para o Brasil e para outros países[4].
Pela revisão da literatura[5], jabuticaba é como funciona atualmente o regime brasileiro, falido em diversos sentidos. Inconcebível, pois, é fugir das contundentes evidências internacionais positivas onde o IVA foi adotado (174 países). É o momento de seguirmos adiante com a implementação do novo sistema já em 2024. Com a palavra, o Senado.
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