Agenda factível para o problema fiscal de longo prazo
- rafaelk2077
- 19 de abr. de 2024
- 5 min de leitura
Governo está sem caixa e seguir aumentando a relação dívida/PIB não é sustentável
Não adianta querer melhorar as chances de os vulneráveis terem um futuro melhor se não há dinheiro no caixa. Responsabilidade fiscal não é um objetivo em si, mas um meio. É condição necessária (embora não suficiente) para que se possa fazer políticas sociais sustentáveis. O governo federal, assim, deveria reduzir a proporção das despesas obrigatórias no orçamento e focar na diminuição da relação dívida/PIB. Afinal, sem um fiscal saudável e sem focar no crescimento econômico, querer fazer justiça social complica. Há uma agenda de quatro ações factíveis.
O diagnóstico da economia brasileira é preocupante. A taxa média de crescimento do país desde 1990, tomada a cada dez anos, teve um tombo a partir dos anos 1980. Antes, esta se mantinha acima 5% e, depois, abaixo de 3,4%, tendo em 2010 sido de 1,4%. Mais grave ainda, ao comparar a mesma medida com países emergentes, desde 1980, aquela não só é menor, como a diferença entre as taxas aumenta com o tempo, tornando o Brasil relativamente pior. Para a década de 2020, se a taxa de crescimento for de 2% de 2024 a 2029, a taxa média na década será de 1,94%. Houve a pandemia, por um lado (-3,3% em 2020), mas, por outro, o PIB potencial está mais perto de 1,5% do que de 2%.
A produtividade, por sua vez, nos últimos 20 anos, cresceu meros 1% em média. Hoje, o brasileiro produz 22,3% do que produz um americano (Ibre). Talvez isso justifique a renda média mensal baixa, de R$ 3 mil. Já os investimentos em infraestrutura (InterB), fundamentais para o país crescer, saíram de 2,4% do PIB em 2010 (sendo 1,4% público) para 1,9% (sendo 0,6% público). Isto é reflexo das elevadas taxas de juros reais e da redução contínua das despesas discricionárias. Se nada mudar, o orçamento em 2032 será 100% de despesas obrigatórias. E aí?
Os dados sociais não são alentadores tampouco. O número de pessoas sem saneamento básico ou ensino fundamental básico de boa qualidade é enorme. Cinco milhões não têm água na torneira, 49% das 190 mil escolas de educação básica não têm acesso a esgoto por rede pública, mais de 20% não têm coleta de lixo e 26% não dispõem de distribuição regular de água (Inep). Estados como Rondônia e Maranhão têm 60% dos lares sem esgoto (IBGE). Apenas os Estados do Sul, Sudeste e o DF têm cobertura para mais de 80% da população.
Ao contrário das estimativas otimistas do governo, dificilmente será possível estabilizar a relação dívida/PIB
Além disso, somente 11 Estados têm pelo menos 95% dos alunos de 6 a 14 anos finalizando o fundamental na idade certa. Aliás, por que poucos municípios ofertam creche, um direito básico? Sem mencionar na crise de segurança pública, um problema básico de Estado, que afeta o cidadão e afugenta investidor. Perdas com crime custam 4,2% do PIB/ano para o setor privado (Ipea). O federalismo disfuncional brasileiro não permite que se faça o básico, apesar de arrecadar 34% do PIB, nível de OCDE. É tergiversar sobre as políticas prioritárias, é descuidar em dar dignidade ao cidadão, é ferir a Constituição, é não aprender com nossos erros e acertos.
Se o diagnóstico é péssimo, as perspectivas são piores. O governo está sem caixa e seguir aumentando a relação dívida/PIB não é sustentável. O legado será fatal, a menos que haja inversão de rota.
O ministro Fernando Haddad alterou a meta de resultado primário de 2025, e o Congresso flexibilizou a LC 200/2023 (arcabouço fiscal), liberando R$ 15,7 bilhões para gastar mais agora. O duelo do ministro com a realidade é constante, e a discussão “se contingencia, se muda a meta, se exclui mais um item das despesas primárias, se há mais brechas na receita” tira seu tempo na busca de soluções estruturantes concretas de longo prazo.
Pouco importa o curto prazo, se as perspectivas futuras são catastróficas. Colhe-se amanhã o que se planta hoje e a semeadura não está boa. Teto de gastos e arcabouço fiscal são apenas instrumentos. Se o arcabouço entregasse superávit primário de 2% a 2,5% estaria ótimo, pois estabilizaria a dívida pública. Não é o caso. Ter, por sua vez, superávit primários esporádicos é irrelevante, especialmente se a despesa computada não é a total. Não se engana os fatos e a economia. A preocupação com o que o Banco Central (BCB) fará com a Selic amanhã é exacerbada, uma vez que o investidor decide com base na taxa de juro real de longo prazo, a qual o BCB não controla.
O que afetará positivamente os investimentos futuros, logo o crescimento, assim, é a diminuição da relação dívida/PIB. Se esta seguir crescendo, como é o caso, a taxa de juro real de longo prazo não se arrefecerá. Da mesma forma, precisa-se diminuir os gastos obrigatórios como proporção do orçamento total, para além de fazer avaliações de políticas e tornar o gasto mais eficiente. Neste sentido, há uma agenda politicamente factível para desengessar o orçamento, composta por quatro ações.
Como a folha de pagamento é um gasto relevante, tendo que ser reduzido proporcionalmente ao orçamento total, uma reforma administrativa deveria ser feita e com reflexos para os subnacionais. Neste sentido, como matérias de interesse já foram constitucionalizadas (por 6 emendas constitucionais entre 1998-2005), basta regulamentar alguns tópicos. Por isso, uma reforma efetiva seria composta por quatro leis ordinárias e uma complementar (bit.ly/4aHnlPa).
Em segundo lugar, as vinculações dos pisos de saúde e educação e as emendas não deveriam variar com a receita, mas pela inflação ou pelo limite de 2,5% do arcabouço fiscal. Em terceiro lugar, os benefícios previdenciários e assistenciais deveriam ser desvinculados da variação do salário mínimo ou o salário mínimo deveria variar com a inflação ou em até 2,5%. O fato é que as despesas com estes itens são representativas no orçamento e estão crescendo desproporcionalmente mais do que o limite da regra. Há inconsistência, o que mostra que a regra é falha e já nasceu dando errado.
Por fim, em quarto lugar, as duas vinculações (saúde e educação) poderiam ser unificadas, permitindo que cada ente otimizasse cada gasto, de acordo com as suas necessidades. Isso se justifica, pois, como a população tem crescido cada vez menos (3% em 1960 x 0,5% em 2022, IBGE), o Brasil terá menos crianças na escola e mais idosos para cuidar. Enquanto gasta-se com educação níveis de OCDE, o gasto com saúde é de 9,7% do PIB (sendo 4% público). Países com mais idosos, como Alemanha e Reino Unido, gastam 12% do PIB. É uma nova realidade e o Congresso precisa observá-la.
Em suma, o Brasil tem um grave problema fiscal, precisa reverter este quadro e, apesar de arrecadar como país rico, tem tido resultados inadequados em questões básicas, como saneamento, educação e segurança pública. Há que refazer as prioridades, mas é necessário ter recurso no caixa. O texto sugere quatro ações, pois, sem responsabilidade fiscal não há responsabilidade social.
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