Cade e BC; jamais Cade vs. BC
- rafaelk2077
- 16 de jul. de 2015
- 4 min de leitura
Um dos aspectos mais importantes para uma sociedade se desenvolver - já nos alertava Acemoglu e Robinson, em "Why Nations Fail" (2012) - é ter instituições sólidas e inclusivas; e, além disso, mantê-las desta maneira. Este fato é, por vezes, bastante desafiador diante da economia política prevalecente, em especial quando se trata de países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.
Um exemplo desta dificuldade diz respeito ao impasse entre o Cade e o Banco Central, gerado a partir de um parecer da Advocacia Geral da União (AGU), que criou dúvidas sobre o poder de atuação do Cade no âmbito do setor financeiro, a quem, por Lei (12.529/2011), compete prevenir e reprimir ações que possam diminuir ou limitar a concorrência em qualquer mercado de bens e serviços no Brasil.
O imbróglio iniciou-se em 2001, quando o Bradesco, ao comprar o BCN, não apresentou o caso ao Cade, por entender que a análise caberia apenas ao BC. O Cade, então, multou esse banco por intempestividade na apresentação da operação, que optou por recorrer ao Poder Judiciário. O juiz de 1º grau entendeu pela incompetência do Cade para julgar tais operações, tendo em vista o teor de um parecer publicado pela AGU, que afirmava que a competência para analisar fusões e aquisições (F&A) no mercado bancário seria exclusiva do BC (este parecer, anos depois, estendeu suas conclusões para casos de condutas anticompetitivas e para todo o setor financeiro). O Cade, por sua vez, recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, por maioria, concluiu que o
Cade não estaria vinculado aos termos do Parecer da AGU, reformando a decisão e destacando a importância de uma atuação complementar dos órgãos. O caso foi contestado no Superior Tribunal de Judiciário (STJ) pelos bancos. Lá, em 2010, apesar de, por quatro votos a dois, os ministros do STJ terem dado razão ao recurso sobre o qual o Bradesco não precisaria pagar tal multa, por três votos a três (i.e., empate), a tese da complementariedade entre os órgãos foi ressaltada como pertinente. O caso foi para o Supremo Tribunal Federal em 2014 onde aguarda decisão de recurso interposto pelo Cade.
A ação conjunta das autoridades monetária e antitruste é praxe em outras jurisdições de referência, como os EUA
Conquanto no tocante às condutas competitivas o entendimento geral (apesar do parecer da AGU) seja de que cabe ao Cade atuar no setor financeiro - até porque a Lei 4.595/64 (BC) não contempla ditas condutas e é o Conselho que tem experiência e instrumentos (como acordo de leniência e poder de busca e apreensão) para levar a cabo qualquer caso desta natureza, que inclui os de cartéis -, no concernente aos casos de F&A no setor financeiro, há incerteza. Uma fusão de instituições financeiras no mercado de cartões de crédito, por exemplo, não deveria passar pelo Cade?
A polêmica há 14 anos pode, quiçá, ter tido alguma justificativa quando iniciada, seja pelo fato do país estar priorizando pela estabilidade monetária, seja pelo fato de o Cade não estar ainda amadurecido. Atualmente, porém, o debate deveria ser outro. De fato, os dois órgãos são de excelência, têm corpo técnico adequado, são respeitados nacional e internacionalmente e prezam pelo interesse difuso dos cidadãos. No caso do Cade, em particular, não só este Conselho logrou quatro estrelas (de cinco) no ranking da revista britânica especializada em concorrência e regulação, a Global Competition Review, como também foi premiado duas vezes como a melhor agência antitruste das Américas. Indubitavelmente estes são reconhecimentos de que o Cade é competente para cumprir com seu mandato, seja em que mercado for. Além disso, a ação conjunta das autoridades monetária e antitruste é praxe em outras jurisdições de referência, como nos Estados Unidos.
Não há espaço, destarte, para enfraquecer qualquer desses órgãos. É necessário aprimorar a relação daqueles, eliminando qualquer tipo de incerteza jurídica. Afinal, leis, regras e decisões judiciais têm que refletir seu tempo, acompanhando a evolução sócio-político-econômica do país. A realidade mudou em 14 anos. É hora, por isso, de dar um passo adiante e debater "como agir conjuntamente" (Cade e BC) e superar o embate sobre "quem tem poder" (Cade vs. BC). Se o Cade mantém uma saudável relação com as agências reguladoras, por que não ser assim com o BC? No caso de F&A no setor bancário, a análise sobre "risco sistêmico" poderia ser feita pelo BC (sua primordial preocupação) e a instrução e julgamento no concernente às "questões concorrenciais", pelo Cade.
O Conselho já se manifestou em prol da harmonia entre as duas instituições. O BC poderia sinalizar o mesmo. Brigar só enlanguesce o lado mais fraco: o dos consumidores. Além disso, vale lembrar que as agências de rating vão além dos resultados das contas fiscais em suas avaliações sobre risco dos países. Há que construir instituições sólidas e preservá-las. O Brasil já tem tantos problemas, além da combalida economia, que seria sensato se livrar desse revés. A agenda do país precisa mirar em temas acerca do seu futuro promissor e não se prender em âncoras pouco auspiciosas do passado.
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