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Concorrência para promover produtividade

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    rafaelk2077
  • 25 de set. de 2017
  • 10 min de leitura

O que John Galt faria se estivesse no Cade?


“Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada”

Ayn Rand (Atlas Shrugger).

 

Quem é John Galt? Pergunta recorrente no romance de Ayn Rand, chamado Atlas Shrugged de 1957, o segundo livro mais vendido nos EUA depois da Bíblia. Ateia, russa, escritora e filósofa, Rand (1905-1982) é uma das pensadoras mais influentes do século XX. Fugiu da Rússia para os Estados Unidos após a Revolução de 1917 e, por um tempo, teve que “aprender na pele” a desgraça de viver em um país comunista. Tornou-se, assim, uma defensora ferrenha do livre mercado, admirada pelos liberais e repudiada pelos não liberais. Seu livro, por ter uma narrativa inquestionavelmente atual, segue sendo controverso.


É possível interpretar John Galt como sendo um líder na busca desenfreada pelas liberdades individuais (sobre qualquer forma), pelo direito à propriedade privada, pelo Estado de Direito e pela intervenção mínima dos Governos. Com este ímpeto e por conta de políticas de compadrio e de “extorsões” do Estado aos empresários produtivos (por meio de tributos cada vez maiores, regulações irracionais e concessões de privilégios a determinados grupos), Galt liderou o desaparecimento destes homens e mulheres produtivos, aqueles que moviam o mundo em seus ombros, como titãs e titânides. O resultado foi a deterioração do país, que passou a ser habitado somente por pessoas e instituições não produtivas. Foi a maneira lúdica de Rand expressar o que seria aquela realidade sem o trabalhado árduo dos geradores de riquezas. Se Galt fosse


Conselheiro no Cade em 2017, o que faria para aumentar a produtividade da economia brasileira?

Em primeiro lugar, Galt teria que compreender que, por conta das falhas de mercado, um Estado liberal e não populista pode melhorar o bem-estar de uma nação, desde quando as falhas de governos forem menores do que as de mercado. Sem este entendimento, Galt jamais trabalharia no Cade. Galt, em segundo lugar, teria que se conscientizar que condutas anticompetitivas retiram valor da sociedade e o Cade, em nome do Estado, pode interferir para alterar o rumo dos fatos.


Com esta consciência, Galt se orgulharia em trabalhar no Cade. É intervencionismo sim, mas positivo, em prol de um melhor funcionamento do mercado, isto é, a favor de uma sociedade mais produtiva. Afinal, não há cartel hard core que gere eficiência e há atos de concentração que podem distorcer as alocações produtivas e o equilíbrio final de bens e serviços.


Em terceiro lugar, Galt teria que observar a história recente brasileira, em especial o Brasil após a redemocratização (1985), e notar que a produtividade da economia não cresce há quase 40 anos. De fato, o PIB per capita em 1980 era 25% do americano e esta realidade segue a mesma até hoje. Diferentemente de países como Coreia do Sul, Chile, China, Taiwan e tantos outros, portanto, o Brasil não conseguiu convergir a trajetória da sua produtividade para a dos EUA. A China, vale dizer, em 2016 passou a ter PIB per capita (US$ 15.400) maior do que o brasileiro (US$ 15.240), segundo dados do FMI (WEC, 2017), sendo que, em 1980, este era 1/15 do brasileiro. Há, certamente, algo errado no Brasil. Em parte, a baixa produtividade brasileira deve-se à miríade de políticas econômicas distorcidas, especialmente após 2007. Uma segunda parte é esclarecida pelos argumentos proféticos do livro de Rand, onde mais governo, mais subsídios, mais privilégios a certos grupos resultam em maior corrupção e menor produtividade. Por fim, uma terceira parte é explicada por ineficiências contornáveis. É aí que Galt, se estivesse no Cade, poderia agir. Não raptando empresários produtivos, mas promovendo maior competição na economia, para que estes homens e mulheres pudessem se tornar mais produtivos ainda.


Em quarto lugar, Galt teria que observar as ações do Cade dentro de um marco maior de reformas microeconômicas em benefício da produtividade. A agenda é extensa e visa atacar o chamado “custo Brasil”. Dentre outros tópicos, este “custo Brasil” inclui: a proteção à concorrência externa, o sistema tributário não uniforme e complexo, a legislação laboral rígida, a burocracia excessiva, a infraestrutura precária, o direcionamento no crédito por parte do Estado, o ambiente regulatório incerto, a elevada judicialização, a morosidade do judiciário, a insegurança jurídica para novos investimentos e a baixa educação.


Neste sentido, depois das relevantes reformas institucionais ocorridas no Brasil entre 1990 a 2007, houve uma retomada destas ações em 2015, com Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, e, depois, em 2017, com Henrique Meirelles, ambos atuando em conjunto com outras instituições do governo, como o BCB, o MPOG e o BNDES. Pode-se citar algumas iniciativas, tais como: (1) a promoção da concorrência em certos setores; (2) a diminuição da burocracia [simplificando procedimentos (SPED), e facilitando a abertura e fechamento de empresa (REDSIM) e os procedimentos de importação e exportação (portal único de Comercio Exterior)]; (3) a redução do spread da intermediação financeira (imposição da duplicada eletrônica, fomento ao cadastro positivo, aperfeiçoamento da lei de recuperação judicial e modificação na taxa de juros de empréstimo do BNDES); (4) a incitação da agenda da privatização e de revisões de marcos normativos para destravar os financiamentos em infraestrutura; (5) a redução de distorções no mercado de trabalho (com a medida provisória recentemente aprovada pelo Congresso); (6) a redução da abrangência da política do conteúdo local e (7) o fortalecimento das agências reguladoras (PL 6621/2016).


Dentro desta vasta agenda micro, Galt, no Cade, poderia atuar em dois pontos:

(1) com relação à advocacia da concorrência, em conjunto com a Seae/MF, suas ações poderiam focar em três tópicos, a saber: (1.1) evitar que casos de condutas anticompetitivas “entrassem” no Cade, via a eliminação de distorções regulatórias em determinados setores; (1.2) fomentar a concorrência local, através, por exemplo, da eliminação de distorções tributárias e (1.3) promover a concorrência externa – pois há vasta evidência empírica de que uma economia mais aberta é mais produtiva (um possível objetivo seria o Brasil migrar para a média tarifária da OCDE por exemplo) –, por meio de um maior diálogo com o MDIC e MRE.


(2) com respeito à diminuição da insegurança jurídica, suas ações poderiam focar em outros três tópicos, a saber: (2.1) conceder maior previsibilidade e proporcionalidade às sanções no Cade; (2.2) criar uma logística processual adequada entre os sancionadores, que, neste caso, envolve 3 esferas: a administrativa, a civil e a criminal; e (2.3) gerar maior efetividade das ações do Estado, através de uma maior interação entre o Cade e os órgãos que fazem leniência ou delação premiada, no caso específico de cartéis em licitações públicas (com ou sem corrupção).


No concernente ao item (2.1), à luz do conceito da vantagem auferida e do dano (conforme fazem as mais relevantes agências antitruste no mundo, para garantirem a dissuasão), há que alterar o artigo 37 da Lei 12.529, uma vez que menos de 1/4 das multas seguem os parâmetros estipulados neste artigo da Lei, gerando baixa previsibilidade nas sanções. Neste sentido, há o PL283/16 do Senado (cuja redação precisa ser aperfeiçoada) e seria adequado elaborar um Guia do Cade de Sanção (como fazem as mais relevantes agências antitruste no mundo), para minimizar incertezas privadas ao diminuir a discricionariedade do Tribunal.


No tocante ao ponto (2.2), imagine que o item (2.1) tivesse sido solucionado. Ainda assim, haveria outro foco de insegurança jurídica. Atualmente, nada de relevante ocorre nas esferas civil e criminal com respeito a condutas anticompetitivas. Na prática, as sanções ocorrem na esfera administrativa e, mesmo assim, os casos condenados pelo Cade são judicializados em sua grande maioria. Vale, aliás, comentar, que, devido ao elevado grau de judicialização, os programas de leniência e dos acordos (TCC), conquanto devessem existir somente com o objetivo de facilitar as investigações de cartéis, acabam sendo uma forma de dar maior enforcement à atuação do Cade.


Quando, porém, as outras duas esferas estiverem sancionando com maior assiduidade no antitruste, é muito provável que haja a “sobre-sanção”, podendo levar firmas à falência. Além disso, qual a instituição que calculará o dano? Embora alguns defendam que essa estimativa devesse ocorrer na esfera civil, é no Cade aonde se encontram os conhecedores do tema. Além disso, é indubitável que baratearia (e, portanto, estimularia) as ações de reparação de dano na esfera civil por agentes com menor condição financeira. Por isso, enquanto estas duas esferas estão engatinhando no tema, seria oportuno criar uma bem-planejada logística processual entre as três esferas. Primeiro, para dar maior segurança jurídica ao setor privado. Segundo, para minimizar os esforços do Estado, que só perde em ter diversas instituições fazendo o mesmo trabalho. Hoje, há uma proposta da sanção na esfera civil ser duas vezes o dano (PL 283), mas isso não resolve o problema da sobre-sanção (pois não endereça a logística processual), além de não detalhar como seria estimado este dano e por qual instituição. Além disso, a consulta pública, acerca da Resolução do Cade para compartilhar informações confidenciais com a esfera civil, apesar de muito bem-vinda (pois motiva a reparação de dano), também não endereça o mencionado problema.


No que se refere ao tópico (2.3), imagine que os pontos (2.1) e (2.2) tivessem sido resolvidos. Ainda assim, a partir de 2013, passou a existir novo núcleo de insegurança jurídica no tocante ao programa de leniência de cartéis em licitação pública (com ou sem corrupção).

Isto porque, de 2001 até 2013, o Cade, com os acordos feitos com o Mistério Púbico (MP) e com a Polícia Federal (PF), passou a ter amplo sucesso nos seus programas de leniência e, depois, nos acordos, chamados de Termos de Cessação de Conduta (TCC). As fricções entre as instituições foram sendo lapidadas ao longo do tempo, há troca de informação entre o Cade, o MP e a PF e pode-se dizer que a curva de aprendizado foi positiva, gerando certeza jurídica acerca do processo.


De 2013 até 2017, contudo, novos atores entraram em cena. Apesar do instituto da delação ou colaboração premiada ter surgido em 1990 (com a Lei dos Crimes Hediondos, Lei 8.072/90), foi em 2013 [com a Lei da organização criminosa ou Lei anticorrupção (Lei 12.850/2013)] que houve a formalização dos instrumentos para a delação, a tipificação das condutas (artigo 5o) e a abertura de espaço para que fosse feita leniência de Pessoa Jurídica (PJ) na CGU e nos órgãos máximos da administração pública local. Na leva, em março de 2014, foi deflagrada a operação Lava Jato, que popularizou o instituto da delação premiada e da leniência no âmbito de outros órgãos.

Com isso, em 2013 passou a existir a dúvida sobre aonde o agente privado faria a sua leniência: no


Cade ou na CGU? Entende-se que, embora possam existir empresas não motivadas a delatarem na CGU, por abarcar apenas PJ, nos casos mais recentes, os dois órgãos têm sido procurados. Sobre as leniências já assinadas no Cade (PJ), o Conselho tem trocado informação com a CGU.


Nos casos em andamento no Cade (PJ), esse tem liberado informações para a CGU com o consentimento da PJ. O Cade, assim, tem sido colaborativo dentro de suas possibilidades. Se a CGU não estiver fazendo muitos acordos de leniência, portanto, isto não se deve a falta de entendimento entre Cade e CGU, mas ou ao baixo incentivo para se fazer leniência na CGU, já que não trata de PF, ou pelo fato da Lei ser recente ou porque há incerteza na relação CGU-TCU.


O TCU, por sua vez, mesmo sem previsão legal para fazer acordos (delação ou leniência), fez uma instrução normativa para homologar os acordos feitos na CGU. Caso o TCU não homologue ditos acordos, esse pode não validar os acordos na CGU e pode, em tese, punir os infratores, mesmo estes tendo feito acordos com a CGU. Este fato introduziu incerteza jurídica. Vale observar que o Cade tem cooperado com as investigações abertas pelo TCU dentro de suas possiblidades legais.


Vale explicitar que a delação premiada (PF) ocorre na esfera criminal, iniciada por uma denúncia do MP e homologada pelo Juiz (Poder Judiciário). Assim, o acordo é celebrado entre o delator e o Poder Judiciário, em parceria com o MP. O acordo de leniência (PF ou PJ), por sua vez, ocorre na esfera administrativa, iniciado pela PF ou PJ, assinado entre o delator e os órgãos administrativos do poder executivo (Cade, BCB, CVM e CGU) e homologado por estes órgãos.


Vale lembrar que, quando há um caso de improbidade administrativa (dano ao erário, enriquecimento ilícito e ofensa à moralidade administrativa), o TCU (que é um órgão de controle externo) tem a obrigação legal de investigar e sancionar administrativamente, se for o caso, ou homologar o que a AGU decidiu. Além do TCU, se o ilícito tiver ocorrido com um órgão do executivo, a CGU (que é um órgão de controle interno do executivo) também tem competência legal para investigar e sancionar administrativamente. Por isso que cartel em licitações envolve mais agentes do Estado.


Além desse imbróglio, com a aprovação da MP 784 (ainda não regulamentada e ainda não convertida em lei, o que significa que esta pode cair ou receber modificações), o BCB e a CVM também passaram a poder fazer leniência. Desta maneira, atualmente há na esfera administrativa, 4 órgãos que podem fazer acordos de leniência. Para PF e PJ: Cade, BCB, CVM e a para PJ, a CGU. As três primeiras instituições são autarquias e a última, um ministério. Na esfera criminal, por sua vez, há 3 atores como parte da delação premiada: o MP, a PF e o Poder Judiciário. Além disso, tem o TCU e a AGU, que desejam participar do processo. Na AGU, vale dizer, há duas leniências assinadas (UTC e Bilfinger) e 12 casos em andamento.


Há, logo, 9 atores que, de alguma forma, querem usar as provas dos acordos em suas investigações. Não só a coordenação é mais desafiadora nos casos de interseção, como há que identificar o objetivo de cada órgão com a delação/leniência. O sucesso da relação Cade-MP/PF deve-se, também, ao fato de que, para estes 3 órgãos, o objetivo da leniência/delação é desvendar cartéis e investigá-los de forma mais eficaz. É essa a meta dos demais órgãos? Em matéria no Valor, por exemplo, o objetivo da AGU é arrecadatório. Com estas incertezas, desta forma, ainda que ter um guichê único pudesse ser o caminho mais racional a tomar, este não parece ser factível ainda. Urge, portanto, formalizar as interações institucionais, nos moldes Cade-MP/PF, via acordos vinculativos, obrigando cada instituição a se coordenar quando houver interseção, preservando os incentivos de todos nos acordos. Neste sentido, no curto prazo, seria adequado que se formasse um Grupo de Trabalho com as nove instituições.


O objetivo macro deste Grupo seria o de garantir que houvesse segurança jurídica no processo. Isto porque, é fato que leniência e delação premiada são instrumentos baseados em confiança. Se o empresário não confiar no processo, ele não vai “abrir o jogo” para nenhum órgão, com medo de ser apenado por algo que já havia ficado isento. O Estado (como um todo), por isso, não pode ter uma de suas instituições assinando um acordo e outra punindo o acusado pelo mesmo fato. Essa é a garantia que o setor privado precisa ter para delatar.


Em suma, condutas anticompetitivas e insegurança jurídica são inibidores de produtividade. John Galt, com o objetivo maior de potencializar a produtividade no Brasil via concorrência, pode atuar tanto na advocacia da concorrência quanto na diminuição de diversas frentes de incertezas jurídicas que afetam o Cade. Como diz Ayn Rand, “você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade”. O melhor, destarte, é agir. Agir com harmonia, racionalidade e verdadeiro espírito público. Agir com a meta de alcançar um Brasil melhor.


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