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Discutindo Concorrência

  • Foto do escritor: rafaelk2077
    rafaelk2077
  • 28 de fev. de 2018
  • 7 min de leitura

Reflexão de 6 assuntos para contribuir com o aumento de produtividade da economia


Tomando carona no artigo de Pedro Ferreira e Renato Fragelli intitulado “Discutindo o Brasil” (Valor, no dia 10/02/2018), surge a explicação para o título deste texto. Naquele texto, os autores revelaram que um grupo de mais de 100 economistas, de diferentes linhas de pensamento econômico (EPGE/FGV, EESP/FGV, Insper, USP, UFC, UNB, PUC-RJ, IPEA, etc.), se reuniu na FGV/RJ durante dois dias para discutir os principais problemas da economia brasileira, com o propósito de alcançar consenso mínimo sobre: o diagnóstico dos problemas enfrentados hoje no Brasil e algumas possíveis propostas de como solucioná-los. O objetivo maior do encontro é ter, em breve, um texto conciso, para contribuir com o debate no ano eleitoral de 2018, indicando possíveis alternativas para distintos dilemas, com foco em crescimento econômico e justiça social.

Dentre os temas, há o de concorrência, que, decerto, apresenta inúmeros tópicos a serem discutidos. Com o objetivo de melhorar o status quo, optou-se por pincelar seis assuntos, entendidos como prioritários, a saber: dois em defesa da concorrência, três em advocacia da concorrência e um, de cunho institucional.


No tocante à defesa da concorrência, os dois temas escolhidos objetivam maximizar a atuação dissuasória do Cade no âmbito de um Processo Administrativo Sancionador (PAS). O primeiro assunto refere-se à sanção pecuniária estabelecida no artigo 37 da Lei 12.529/11 e o segundo, concerne às formas de diminuir a insegurança jurídica neste no âmbito da concorrência.

Com respeito ao primeiro tema, atualmente, as sanções pecuniárias são desconectadas não só da vantagem indevidamente auferida pelo infrator, como também do dano causado à sociedade, logo, a multa não tem racionalidade econômica. Com isso, não é possível afirmar que o Cade multe de forma dissuasória e proporcional o infrator por sua ação ilegal. O ponto nevrálgico é que a multa deve ser uma função do tempo da conduta, do mercado relevante em que ocorreu a conduta, do tipo da conduta e da diferença entre a receita total que o infrator obteve cometendo a infração e a que ele deveria ter obtido se não houvesse cometido tal delito. Além disso, seria conveniente estabelecer as metodologias de cálculo que serão adotadas pelo Cade, visando dar transparência.


A solução passa por alteração legislativa do artigo 37 da Lei 12.529/11, em especial o inciso I. Há um projeto de lei (PL283/16) que vai nesta direção (antes do Aécio e, agora, do Anastasia), mas a redação precisa ser modificada. Do jeito que está escrita, vai gerar mais confusão ainda e, pior, a dissuasão segue não sendo garantida. Também, seguindo as melhores agências antitruste no mundo, o Cade deveria fazer um Guia de Sanção Pecuniária (ou dosimetria), com o intuito de indicar as metodologias que passaria a usar para estimar dito dano, prestigiando, assim, a previsibilidade e a transparência acerca da valoração das multas impostas.


Além disso, ainda no tocante à defesa da concorrência, atualmenteinsegurança jurídica no que se refere: (1) às multas no Cade; (2) à interação das esferas administrativa, civil e criminal, no caso de condutas anticompetitivas; e (3) à interação das diversas esferas e instituições, no caso de cartel em licitação pública (com ou sem corrupção). São, assim, três frentes de insegurança jurídica que precisam ser endereçadas.


A primeira mencionada diz respeito ao fato de que, atualmente, apenas 23% das multas – de acordo com estudo do ex-conselheiro Alexandre Cordeiro (Fonte: Jota, 2017) – seguem os parâmetros do artigo 37, o que mostra que dito artigo da Lei traz expressiva imprevisibilidade no cálculo do valor das sanções, gerando, assim, insegurança jurídica em como o Cade multa e em como o Cade calcula as contribuições pecuniárias dos acordos (chamados de TCCs), uma vez que ditas contribuições têm como ponto de partida a “multa esperada” básica, que, como dito, é imprevisível. A solução é a alteração do art. 37[1], no âmbito do PL283/16. Note, portanto, que alterar dito artigo eliminaria dois problemas atuais: a não dissuasão e a insegurança jurídica.


A segunda insegurança mencionada concerne à interação entre as esferas administrativa (Cade), civil (reparação de danos, na Justiça) e criminal (quando for cartel hard core, na Justiça). Como cada instância é independente, não há uma logística processual entre elas, logo a multa total pode acabar sendo bem ser superior ao dano cometido pelo infrator. Se, por um lado, deve-se objetivar a dissuasão, por outro, não é desejável ter de multar de forma desproporcional para cima (ou seja, cobrar muito além do dano causado). Multar a pessoa física ou jurídica (PF ou PJ), deve ser, assim, proporcional ao dano (tal qual o parágrafo 2º e 36º da Lei 12.529/11 dizem – “efeitos”) e dissuasória.


De forma didática, imagine um caso de cartel sem corrupção. Atualmente esta falta de interação não é problemática, pois: (1) na esfera criminal, nenhum caso relevante de cartel foi condenado e nem ninguém foi para a prisão; e (2) na esfera civil, quase nenhum caso condenado pelo Cade também ficou sujeito a ressarcir danos privados, pois o processo é deveras custoso e tem baixa probabilidade e previsibilidade de êxito. Desta forma, hoje, a condenação ocorre somente no âmbito administrativo e, mesmo assim, com multas que não são necessariamente dissuasórias. Supondo que as esferas passem a funcionar a contento (objetivo do Estado), haverá uma enorme insegurança jurídica acerca de como se dará a sanção pecuniária total, entre todas as três esferas. Esta pode, no limite, levar as empresas à falência[2] e pessoas à bancarrota. A solução tem três naturezas: (1) criar mecanismos para que as três esferas funcionem adequadamente.


Uma solução para baratear o custo das vítimas é o Cade calcular o dano, por exemplo. Mas há outras forma para baratear o custo das vítimas que querem indenizações privadas. Para isso, seria adequado montar um grupo de trabalho entre as recém-criadas câmaras especializadas em antitruste e o Cade; (2) deveria ser acordado entre as três esferas uma logística processual, por exemplo, primeiro o Cade sanciona (PJ e PF), depois, a esfera criminal (PF) e, por fim, se houver, a civil (PJ e PF); e (3) deveria ser inserido um limite máximo de multa no artigo 37 para todas as 3 esferas: administrativa (para PJ e PF), civil (para PJ e PF) e criminal (para PF). Assim, haveria previsibilidade da multa total máxima a ser paga pelo réu, o que facilitaria a empresa ou à pessoa física a tomar crédito, permitindo que os bancos mensurem os riscos envolvidos. Para os itens (1) e (2) haveria que ter um decreto presidencial para disciplinar a interação dos agentes, a agenda e a participação de cada órgão.


O terceiro grupo de insegurança jurídica se refere à interação das diversas esferas e instituições, nos casos de cartel em licitação pública (com ou sem corrupção). Nestes casos, atualmente, como tem dano ao Erário e tem a Lei Anticorrupção (2014), há outras instituições que podem agir de forma independente e, por vezes, conflituosa. A CGU pode fazer leniência quando houver corrupção, assim como pode o Cade. O TCU homologa o que é feito pela CGU. Por fim tem a AGU, que tem feito leniências. Além disso, se o caso se referir ao setor financeiro, BCB e CVM podem ser acionados. Mais ainda: o Ministério Público (MP) e a Polícia Federal (PF) quase sempre atuam (delação premiada no âmbito criminal). Ou seja, nos casos de cartel em licitação pública, há ao menos 8 instituições que podem participar de um mesmo fato/dano (Cade/CVM/BCB, MP/PF, CGU, TCU e AGU). A solução passa por um acordo entre todas estas instituições, no concernente a dar uma logística processual (que pode migrar para um “balcão único”), a ter regras sobre compartilhamento de informações e provas, e a ter como ponto focal a preocupação de não sobrepenar as empresas. Afinal, o objetivo não é quebrar a empresa, mas fazê-la pagar pelo dano cometido de forma dissuasória. Recentemente os órgãos de controle e o MP têm feito um esforço para atuarem juntos. Seria conveniente, assim, aperfeiçoar o que vem sendo feito. O Cade, por exemplo, deveria estar envolvido e poderia ser – dada a sua expertise com antitruste – o responsável por calcular o dano à sociedade e ao Erário. Também seria pertinente que o BCB e a CVM estivessem participando de dito grupo, para, assim, o Estado ter coordenação com todos os órgãos envolvidos no tema da leniência/delação premiada. Além disso, o acordo poderia ser formalizado por um instrumento jurídico adequado.


No tocante à advocacia da concorrência, há, ao menos, três tópicos relevantes.

O primeiro tem como objetivo diminuir o número de PAS no Cade. Atualmente, parte dos casos de conduta anticompetitiva que tramita no Cade deve-se à falha de mercado em mercados regulados. O Cade, assim, tem “enxugado gelo”. É o caso do setor de serviços de saúde suplementar, do de portos e do de cartões de crédito. A solução passa por revisar regulações setoriais, considerando o vêm ocorrendo no Cade. Por isso, seria oportuno a criação de grupos de trabalho entre o Cade, agências reguladoras afetadas e a SEAE/MF, para encontrar soluções robustas. Um decreto presidencial poderia disciplinar a interação dos agentes, a agenda e a participação de cada órgão.


O segundo tópico tem como objetivo eliminar/minimizar à competição desleal. Atualmente, é o que tem ocorrido. Há dois tipos observados: (1) quando a empresa importa um produto A se passando por produto B para pagar menos imposto (setor de combustível) e (2) quando o judiciário concede liminares favoráveis a empresas, gerando distorções tributárias entre players do mesmo setor. Ex: Alesat que paga menos imposto que as demais distribuidoras de combustível no Brasil, o que afeta a concorrência com as distribuidoras “de bandeira branca” e de pequeno e médio porte. A solução passa pelo Cade atuar em conjunto com a SEAE/MF e a Receita Federal/MF. Um decreto presidencial pode disciplinar a interação dos agentes, a agenda e a participação de cada órgão.


Por fim, como terceiro item, objetiva eliminar/minimizar as barreiras à importação. Atualmente, há diversos setores concentrados (monopólios e oligopólios) – como por exemplo os diversos elos da cadeira petroquímica (PTA e Resinas PET) – devido à baixa concorrência externa no mercado brasileiro. A solução passa pelo Cade atuar em conjunto com a SAIN/MF, SEAE/MF, MDIC e o MRE, no sentido de traçar um plano de trabalho para os quatro próximos anos com relação à redução de barreiras tarifárias e não tarifárias, começando por igualar o país à média tarifária da OCDE. Um decreto presidencial pode disciplinar a interação dos agentes, a agenda e a participação de cada órgão.


Como último tema – o institucional – seria importante incluir o Cade dentro do escopo do Projeto de Lei das Agências Reguladoras, no 6621, que concerne, dentre outros tópicos, às regras de governança e de escolha dos membros de dito Conselho e Superintendência-Geral.

Em suma, seria possível elencar diversos outros temas relevantes em concorrência. Os seis assuntos brevemente discutidos aqui vão na direção de contribuir com o aumento de produtividade da economia, logo com o seu crescimento, embora possam parecer tópicos distantes desses objetivos. Não são. Seria, destarte, deveras apropriado que os candidatos fizessem uma reflexão acerca destes seis pontos e sobre como gostariam de endereçar as diferentes problemáticas, que podem diferir das propostas de soluções trazidas neste texto. A ver se será e como será “Discutido Concorrência”.

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