Foco na concorrência e nas instituições
- rafaelk2077
- 19 de abr. de 2016
- 3 min de leitura
Pro markets vs. pro business. Luigi Zingales e Raghuram Rajan no livro "Saving capitalism from the capitalists" nos presenteiam com reflexões acerca da relação entre o Estado, os empresários e os mercados. Interpretando para a nossa realidade, entendo que instituições como Cade, agências reguladoras e certas secretarias do Poder Executivo devessem trabalhar harmonicamente para, insistentemente e pacientemente, trazerem a cultura da concorrência para o dia a dia do brasileiro. Não é tarefa trivial, dado o viés protecionista originado há décadas no país, mas urge começar esta jornada o quanto antes. Não adianta tergiversar.
Uma das ponderações daqueles autores é que o Estado, de forma geral, e o órgão antitruste, em particular, canalizem energias em retirar barreiras e criar incentivos para que os empresários possam maximizar seus lucros de forma independente e sem contar com o paternalismo estatal. Ou seja, o Estado deve promover que os mercados funcionem da melhor forma possível (pró-mercado) e não deve focar no lucro de certos empresários (pró-empresários), criando, dentre outras distorções, tributos desiguais entre as empresas, subsídios específicos, políticas setoriais não horizontais e campeãs nacionais, além de permitir estruturas demasiadamente concentradas.
Diante deste desejável arcabouço em prol da concorrência para acelerar o desenvolvimento do país, assim como Macri acaba de fazer na Argentina, cabe destacar uma importante alteração no Ministério da Fazenda (MF): a Seae será incorporada pela SPE.
É hora de desenhar um factível plano de voo para o país aproveitar quando os ventos voltarem a soprar
A boa notícia (ainda que a melhor fosse a não extinção da Seae) foi saber que a SPE advogará pela concorrência e atuará na agenda regulatória, tal como a Seae vinha fazendo com êxito. Legalmente, o MF - que tem assento em fóruns relevantes, como o relativo às medidas compensatórias no Mdic - faz parte do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, por meio da Seae (agora SPE) em conjunto com o Cade. Como as áreas micro e macro do MF estão se fundindo sob a secretaria dedicada à parte macro, foi deveras oportuno o secretário da SPE, Manoel Pires, anunciar que haverá um adjunto para cada um dos dois temas micros levados a cabo pela Seae (Valor, 01/04/16, p.A3).
Como no Brasil urge uma sólida agenda micro, seria um equívoco retirar aqueles temas do MF, que goza de prestigiada influência naqueles fóruns, em função da sua elevada capacidade técnica. A SPE, destarte, em muito pode contribuir para um debate substantivo e fértil na área micro, aproveitando o conhecimento adquirido pela Seae.
Seria conveniente, também, que a SPE e o Cade tivessem uma agenda formal conjunta, maximizando o uso do capital humano destas instituições, não só na elaboração de marcos regulatórios ao lado das agências reguladoras, mas também na criação de políticas em concorrência e na formalização da participação do Cade naqueles fóruns, dos quais o Ministério da Justiça (ao qual o Cade é vinculado) não participa.
Esse compartilhamento de esforços brindaria ao MF economia de tempo, fato indispensável face à sua nova agenda, que dobrou de tamanho e importância. Ao Cade, por sua vez, traria significativas sinergias ao seu trabalho, dado que mercados mal regulados geram condutas anticompetitivas, que abarrotam o Cade com processos que poderiam ter sido evitados se a regulação fosse efetiva. Para se ter uma ideia, no setor de saúde, de 1996 a 2015, foram julgados 155 casos concernentes à unimilitância, 81 sobre fixação de tabela de preço e 20 com respeito a cooperativas médicas. No setor de portos, por sua vez, condutas anticompetitivas ocorrem (como a da cobrança da tarifa THC2) possivelmente pelas regulações imperfeitas ou pela multiplicidade de "fazedores de regras, leis e políticas".
Indubitavelmente o Brasil se beneficiaria do trabalho coeso entre as suas instituições. De certo, para aumentar a produtividade do país e a eficiência da economia, nada como fortalecer, otimizar e dar lógica complementar às suas instituições. A soma do valor social se estes agentes atuassem em conjunto - coordenadamente e com atribuições bem definidas - seria maior do que o valor que cada uma agregaria individualmente. Há eficiências evidentes, em especial no tocante à relação entre Cade, agências reguladoras e SPE: a geração de economia de escopo traria ganhos de bem-estar social.
Segundo Lúcio A. Sêneca, "não há vento favorável para quem não sabe para onde quer ir". Por isso, mesmo com o Brasil em crise, é hora de identificar nossos valores sociais, traçar os objetivos principais a serem alcançados, desenhar um factível plano de voo e apontar as métricas para avaliar os resultados; para, assim, o país poder aproveitar o máximo quando os ventos voltarem a soprar.
Uma agenda micro, dentre outras coisas, deveria considerar como valores egrégios a concorrência (ou a economia de mercado) e o fortalecimento permanente das instituições, para que, desta forma, o Brasil possa socializar (com o povo!) os benefícios do capitalismo, como nos coloca Zingales em "A capitalism for the people."
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