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Lupa na produtividade: o que dizer sobre as 9 medidas do CADE no setor de combustível?

  • Foto do escritor: rafaelk2077
    rafaelk2077
  • 4 de ago. de 2018
  • 9 min de leitura

Não há espaço para medidas descabidas. Que a aula dada pelo pelo keynote speaker CADE seja seguida por outras instituições


O Brasil, em aula magistral conduzida em maio de 2018, fez discípulos na América do Sul. Depois do anúncio similar na Argentina, segundo o Estadão (pág. A9, 30/julho), “Maduro quer regular a gasolina”. É fato que políticas populistas, como tabelar preços dos fretes dos combustíveis e subsidiar o preço do diesel no posto de gasolina, são sempre tentadoras. O único problema se refere às suas inevitáveis e terríveis consequências na economia e, depois, na sociedade – pois cartelizar é conduta comprovadamente danosa e conceder subsídio para uns significa tirar orçamento de outros.


No Brasil, por exemplo, inobstante as consequências tivessem sido anunciadas por inúmeros articulistas (que inclui artigo de minha autoria no Jota de maio), a desastrosa política do governo seguiu firme. Por isso, de acordo com a imprensa, grandes empresas, como a Cargill, tiveram que começar a investir pesadamente na ampliação de frota própria de caminhões, elevando, assim, seus custos logísticos. Ou seja, para não ficarem à mercê da nova e péssima regulação estatal, essas empresas passaram a ter que desviar a atenção do seu core business (produção e comercialização de bens) para administrarem caminhões. Adam Smith, com a sua tese da divisão do trabalho, estaria estrebuchando, se vivo estivesse. Além disso, a incitação de cartéis pelo próprio governo já foi experimento desastroso no passado, pois criou inúmeras distorções. Esta situação não seria tão perigosa se fosse desconsiderado que o Brasil só cresce hoje se a sua produtividade aumentar.


Não se trata de blá-blá-blá de economista liberal (progressista, como sou) ou de choradeira de quem acredita que mais concorrência e menos condutas colusivas fazem bem à dinâmica econômica. A situação é verdadeiramente periclitante. Segundo as recentes estatísticas demográficas do IBGE (publicadas em julho, tendo sido a última revisão feita em 2013), a janela que o Brasil tinha em termos de bônus demográfico fechará este ano, em vez de ser no ano de 2023, como havia sido previamente estimada em 2013. Isto quer dizer que o país só cresce pela via do aumento de produtividade, atualmente estagnada. Deveras, de acordo com o economista Samuel Pessoa (do Ibre/FGV), a produtividade total dos fatores (medida qur mostrar quão eficiente é o uso dos recursos capital e trabalho) cresceu apenas 0,2% ao ano entre 1982 e 2016. Muito pouco.


Uma pausa para uma explicação relevante. Bônus demográfico é o período em que a população que trabalha (população em idade ativa – PIA, de 15 a 60 anos) cresce a uma taxa maior do que a da população toda (POP). Este fenômeno tem sido constatado no Brasil desde 1970 e, como dito, acaba em 2018. A problemática surge, destarte, porque, no período do bônus, o PIB per capita (PIB/POP) pode crescer sem aumento da produtividade do trabalho (PIB/PIA), uma vez que o crescimento da razão PIA/POP é maior do que 1 (ou seja, a taxa de crescimento da PIA é maior do que a da POP). A partir de 2019, sem embargo, o crescimento no PIB per capita ocorrerá somente via aumento da produtividade. Por isso, o cenário é sombrio.


A questão é que o Custo Brasil é elevado, resultando em empresas menos competitivas do que seus pares em outros países. Conforme reportagem no Estadão (B1, 30/julho), “o produto feito no Brasil chega a ser 30% mais caro que o produto produzido nos EUA”. Esta menor competitividade, entretanto, não concerne à incompetência brasileira, mas sim à burocracia, à expressiva e complexa carga tributária, aos elevados juros, à precária infraestrutura, aos inúmeros carteis existentes em diversos setores que encarecem o produto final, etc. Isso tudo urge mudar.


Dentre as inúmeras políticas públicas que podem fomentar a produtividade (que vai desde aprovar o PL do cadastro positivo até investir em educação e saúde), o CADE, de forma verdadeiramente apropriada, publicou em abril de 2018 nove medidas para advogar pela concorrência no setor de combustíveis. Esta atitude positiva por parte do CADE mostra que políticas não populistas podem ser feitas com o objetivo de aumentar o bem-estar do consumidor, sem rompantes intervencionistas. Claro que é mais laborioso criar mecanismos que incentivem os agentes a agirem de forma com que os mercados funcionem melhor, mas, certamente, é melhor do que o caminho “da canetada”, em geral, ineficaz e que, no longo prazo, joga para baixo a produtividade do país.


Não concordo com boa parte das medidas apresentadas pelo CADE, mas esse é um detalhe de opinião. O relevante, pois, é salientar que as distintas autarquias, como o CADE, podem contribuir para que se faça um debate organizado, sadio e agregador. Só assim boas ideias podem ir adiante. Neste sentido, seria profícuo e oportuno que a ANP, com o seu quadro de excelência e por ser o regulador setorial, liderasse este fórum.


Com respeito às nove medidas apresentadas pelo CADE, objetivando cooperar com a salutar discussão, as segmento em três tipos, a saber: informacionais, tributárias e estruturais; e faço uma breve análise em seguida. A ver.


No concernente às informacionais, foram 2: (1) criar base de dados com informações do revendedor de combustível, tais como nome, marcas próprias, etc.; e (2) criar base de dados com informações da comercialização de combustíveis do revendedor de combustíveis.


Com relação às tributárias, foram 2: (3) repensar a substituição tributária do ICMS; (4) mudar a forma de cobrança de imposto do combustível.


Com respeito às estruturais, foram 5: (5) permitir postos com autosserviços; (6) permitir a volta da verticalização entre distribuidora/refinadoras e postos, (7) modificar normas sobre o uso do espaço urbano para permitir a presença de postos de gasolina, (8) permitir que as distribuidoras importem gasolina; (9) permitir que produtores de álcool vendam diretamente aos postos.


Quanto ao primeiro grupo: a ANP já tem uma excelente base de dados acerca da comercialização do combustível no Brasil e das características de cada distribuidor de combustível, ainda que fosse adequado que a agência monitorasse, também, os cerca de 45 mil postos de revenda de combustíveis, espalhados ao redor do Brasil. De certo, atualmente, com o uso do “big data”, este grupo de informação poderia alertar sobre possíveis condutas anticompetitivas no setor. Do ponto de vista do consumidor, porém, é improvável que haja queda no preço na bomba, ainda que, ao menos, tenderia a evitar que houvesse colusão.


No tocante ao segundo grupo: o CADE questiona que a cobrança do ICMS (imposto estadual) deveria ser feita no destino (postos) em vez de na origem (distribuidoras), porque, quando é feita na origem há que estimar uma “tabela de preço de revenda”, que poderia fomentar a formação de cartel. É verdade. O problema, contudo, é que, possivelmente haveria maior sonegação fiscal, uma vez que o recolhimento nos postos de gasolina é muito mais ímprobo de ser feito. Com relação ao PIS/Cofins (imposto federal), por sua vez, o CADE argumenta que o fato da cobrança ser feita com um valor fixo por litro do combustível, em vez de ser advalorem, não incentiva o posto a reduzir o preço no posto. Questionável, pois a variação do preço do combustível é mais relacionada com o volume total tributado, com o preço internacional do petróleo e com o dólar, não tendo uma relação direta com a forma em si de tributação. Com isso, estas medidas tenderiam a ser inócuas.

Por sua vez, a carga tributária representa cerca de 42% na composição do preço final do produto.


Desta forma, se houvesse uma reforma tributária bem elaborada, que impusesse um IVA em nível federal, provavelmente o custo da empresa em recolher tributos diminuiria, refletindo em queda dos preços finais dos combustíveis. Mesmo sem esta (necessária) reforma mais ampla, se ao menos o Congresso Nacional equalizasse o ICMS entre todos os Estados, seria um importante avanço, pois, dentre outros motivos, acabaria com a não devolução para as empresas do crédito tributário que elas têm direito, o que as levam a aumentar seus preços finais.


Como esta disfunção não é exclusiva do setor de combustíveis, esta reforma teria um impacto bem maior na economia do que somente a redução nos preços dos combustíveis. Só para se ter uma dimensão da problemática, de acordo com o colunista Sergio Lamucci (valor, 31/julho), a Bosch Espanha tem o mesmo volume de vendas da Bosch Brasil, mas, enquanto neste pais a empresa tem 35 tributaristas, naquele, a empresa tem apenas um. Essa aberração, assim, gera custos desnecessários para as empresas no Brasil que, com isso, precisam elevar seus preços para os consumidores. Há, assim, que atacar a complicação “no atacado” e não “no varejo”. Ou seja, não bastam políticas tributárias setoriais, ainda que possam dirimir o problema de um determinado setor. Há que focar no Custo-Brasil. Assim como a reforma da previdência é imprescindível, uma profunda reforma tributária daria maior competitividade a todas as empresas brasileiras e traria maior bem-estar ao consumidor.


Por fim, com relação ao terceiro grupo: é fato que postos de autosserviço vão na direção correta para diminuir os custos relativos à mão de obra, como encargos trabalhistas, logo, têm impacto positivo na queda dos preços. A verticalização, que outrora foi permitida, por sua vez, tem vetores contrários: por um lado traz eficiência, por outro, aumenta a barreira para novos entrantes. O resultado nos preços para o consumidor, assim, é incerto. Modificar normas sobre o uso do espaço urbano para permitir a presença de postos de gasolina precisa ser avaliada caso a caso. Em geral, não parece ser uma medida ruim. Um exemplo de medida positiva foi a permissão de postos nos hipermercados, que acirraram a concorrência e diminuiram os preços. Permitir que a importação seja feita pelas distribuidoras já ocorre. Se isso seria viável logisticamente para os postos é outra questão. Há que lembrar, porém, que estes revendedores, hoje, já poderiam criar um CNPJ de distribuidor e importar diretamente da Petrobras. Se não fazem é porque não é lucrativo. Assim, porque fariam como revendedores? Por fim, a sugestão mais polêmica e merecedora de maior destaque refere-se a permitir que produtores de álcool vendam diretamente aos postos.


É fato que retirar um intermediário (a distribuidora) da cadeia produtiva, como sugere o CADE, poderia, em tese, reduzir um custo supostamente desnecessário. Parece-me, todavia, que cabem três ponderações: a primeira de cunho logístico; a segunda, de qualidade; e, a terceira, fiscal.

Do ponto de vista logístico de transporte, como o Brasil tem dimensões continentais, como a produção ocorre em São Paulo, Goiás, Nordeste e Mato Grosso, e como as distribuidoras têm bases e terminais ao longo de todo o Brasil; para as curtas distâncias (entre a usina de álcool e o posto), é possível haver ganho de eficiência, logo redução de preço na bomba; mas, considerando o Brasil como um todo (45 mil postos), o resultado pode não ser o esperado.


Do pondo de vista logístico no posto, primeiramente há que diferenciar entre os tipos de álcool que podem ser comercializados. O álcool vendido diretamente ao consumidor final é o hidratado. O álcool que mistura como a gasolina tipo A é o anidro, o qual o Estado estabelece a regra de 73%/27%, respectivamente. O produto final, depois de misturado, chama-se gasolina tipo C. Com respeito à venda do álcool hidratado, é possível que esta ocorra diretamente entre a usina e o posto, sem maiores óbices. Com relação à venda do álcool anidro, sem embargo, o posto teria que ter uma coordenação estreita com a Petrobras (de quem compraria a gasolina tipo A) para que a mistura ocorresse no mesmo momento (para o posto não ficar com tanque parado). Conclui-se, logo, que, logisticamente falando, vender álcool hidratado seria uma ideia interessante, conquanto o anidro não.


Do ponto de vista de qualidade da gasolina tipo C, para além da logística duvidosa quanto à mistura ser feita no posto, haveria que ter uma rigorosa fiscalização por parte da ANP, potencialmente custosa para a administração pública, dado que se trata de 45 mil postos. Por esta vertente, assim, a medida parece trazer inquietudes não desprezíveis.


Por fim, do ponto de vista fiscal, não obstante pudesse haver eficiência logística e ainda que se tratasse de álcool hidratado apenas, há o ponto crucial que diz respeito à evasão fiscal, que, hoje, tem monitoramento menos trabalhoso, pois o imposto é recolhido por poucas distribuidoras. Se o recolhimento passar a ser realizado pelos postos ou pelas usinas, haverá, indubitavelmente, maior probabilidade de a evasão fiscal aumentar.


Em suma, embora as medidas apresentadas pelo CADE tenham sido muito bem-vindas e sirvam como um pontapé inicial para um necessário debate junto ao setor privado, os resultados das nove propostas são dúbios com respeito ao aumento da competição no setor de combustível, diminuição de preço na bomba e, assim, incremento no bem-estar do consumidor final. Foi, desta maneira, uma excelente provocação, mas que precisa ser lapidada.


O caminho é esse: o do diálogo com foco no aumento da produtividade. Caso contrário, o país não crescerá. Este é fato inconteste, especialmente considerando os dados demográficos do IBGE e os estudos de produtividade da economia brasileira. Não há, consequentemente, espaço para alternativas criativas ou medidas descabidas (como o recente tabelamento de preços e subsídio ao diesel). O Estado precisa trazer segurança jurídica e elaborar medidas para trazer maior eficiência, em vez de atrapalhar o setor privado com surpresas e novos obstáculos. Que a aula dada pelo keynote speaker CADE seja seguida por outras instituições públicas. A ver.


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