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Per se ou regra da razão?

  • Foto do escritor: rafaelk2077
    rafaelk2077
  • 16 de fev. de 2017
  • 4 min de leitura

Quando aplicar cada uma das abordagens?


A lei antitruste brasileira (seja a 12.529/11 ou a anterior, 8.884/94) não faz referência sobre se as análises de um ato de concentração (AC) ou de um processo administrativo (PA) devam ser realizadas de forma per se ou pela regra da razão, ainda que seus efeitos, reais ou potenciais, devam estar devidamente demonstrados. Soma-se a este ponto que, conquanto a definição de cartel (explicitadas na Resolução no 20/1999 e no inciso I do parágrafo 3o do artigo 36 da lei 12.529/11) convirja para o entendimento do que é um “hard core cartel”, “acertos entre concorrentes” não necessariamente se resumem ao conluio descrito naqueles documentos legais.

Este fato é relevante para os casos reais, pois, como há diversas “ações concertadas” que não se encaixam nas descrições daqueles marcos legais, não seria correto interpretar todas as condutas concertadas como se fossem carteis hard core. As distintas interpretações sobre o assunto, então, surgem.


Decerto, como há que “analisar os efeitos” (reais ou potenciais) de uma conduta anticompetitiva em um PA e como há que fazer um “balanço custo/benefício” em um AC, é fato que nas entrelinhas da lei a interpretação genérica é a de que qualquer análise pelo CADE tenha que ser feita pela regra da razão. Isto porque os efeitos (reais ou potenciais) de uma atitude anticompetitiva de um caso concreto (jamais em abstrato), no âmbito de um PA, precisam ser demonstrados ou porque um balanço, no caso de um AC, precisa ser realizado entre o custo causado por uma concentração e o benefício que este ato possa trazer à sociedade.


Há quem diga, neste sentido, ser um equívoco legal interpretar aquela lei como sendo per se para qualquer tipo de conduta anticompetitiva (que inclui os casos de cartel), pois a verificação da ocorrência de abuso econômico deve ser precedida de uma avaliação do poder de mercado do agente econômico representado. De fato, sem esse poder, o abuso não pode ocorrer. Ou seja, sem haver a possibilidade do exercício do poder de mercado, não haverá a probabilidade de este ocorrer, logo, não ocorrerá a infração à ordem econômica.


Uma análise do poder de mercado, consequentemente, deve ser previamente feita e, se houver poder, verificar se houve o abuso deste poder, para, depois, se afirmativo, analisar o dano, seja esse real ou potencial. Note que a potencialidade do dano não exclui uma rigorosa análise pela regra da razão. Pelo contrário. Como em PA este tipo de dano deveria ser menos importante do que em um AC (pois no primeiro caso, trata-se de uma análise ex-post, na grande maioria das vezes, e no segundo, ex-ante), para não fragilizar a análise antitruste, o dano potencial deve ser demonstrado com base em fatos e dados, jamais em especulações.


Ocorre que, como “defesa da concorrência” é um tema do law and economics, é importante interpretar a lei antitruste à luz da teoria econômica. Neste contexto, há apenas um caso descrito na literatura econômica que resulta em ineficiências sociais inequívocas (danos ou efeitos lesivos inequívocos à sociedade), que é o caso do hard core cartel.


Nas três estratégias clássicas de hard core cartel (fixação de preço/quantidade, divisão de mercado e colusão em licitações públicas), a explicação lógica do motivo pelo qual seria correto analisar de forma per se é, simplesmente, porque, por mais que se faça uma análise pela regra da razão, esta sempre resultaria em um custo líquido social, pois a premissa é da existência do poder de mercado (tal como sugere a leitura da Resolução 20/1999). Em outras palavras, a razão de se analisar de forma per se nos casos de hard corte cartel é apenas por economia processual, pois o poder de mercado existe por hipótese. Com isso, em vez de realizar uma extensa análise pela regra da razão e concluir que em 100% dos casos há custos líquidos, parte-se para uma análise econômica simples (per se) e foca-se no conjunto probatório, que por si só já toma considerável tempo dos escassos recursos humanos dos órgãos antitrustes.


O problema prático surge por haver outros tipos de “acertos entre concorrentes” que não se configuram em estratégias de um cartel hard core, mas que são denominados genericamente de “carteis”. Estas táticas, para fazer um contraponto com o nome hard core, eu as chamo de “soft carteis”. Nestas situações, como é possível verificar a inexistência de poder de mercado ou comprovar a existência de algum benefício pela conduta cometida (como por exemplo o “poder compensatório”), uma análise pela regra da razão se faz necessária. Colocar os dois tipos de carteis em uma mesma categoria, desta forma, é um erro e, de fato, confunde.


Desta maneira, se houver aperfeiçoamento futuro na lei antitruste, este deveria considerar, também, uma distinção entre tais tipos de carteis, porque na prática gera confusão desnecessária. Muito embora sejam apenas exemplificativos, seria pertinente, por exemplo, haver no artigo 36 da lei 12.529/11 entre os incisos I e II do parágrafo 3o, uma descrição dos soft carteis (acertos concertados cujas estratégias se diferem do inciso I), até mesmo porque estas definições respingam no tema das prescrições (5 ou 12 anos), outro tópico deveras discutível nos casos reais.


Em suma, é imperante que uma discussão mais profunda sobre este assunto ocorra, ao menos para nortear as decisões dos técnicos e dos conselheiros do CADE e de sua relação com os agentes privados. Uma linha de pensamento coerente com o law and economics (no caso específico do antitruste) é interpretar que só cabe analisar de maneira per se as três estratégias de hard core cartel. Qualquer outra conduta, portanto, que inclui as relativas aos soft carteis, seguiria análise pela regra da razão. Mas esse é, certamente, apenas um ponto de vista, que pode vir a ser refutado por outros bons argumentos. A ver.


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