Put your money where your mouth is
- rafaelk2077
- 29 de mar. de 2017
- 4 min de leitura
Cade e empresas devem agir "juntos e misturados" ao avaliar eficiências de fusões e aquisições
Law and economics, assimetria de informação e atos de concentração econômica (AC). Todos “juntos e misturados”. Não faço aqui alusão à patética comédia de Adam Sandler ou às discutíveis músicas de MV Bill e de Netinho de Paula, mas a um tema cativante e provocante, ao menos para o público antitruste, que é a revelação da verdadeira eficiência por parte das Requerentes em um AC. Este breve artigo, assim, discute os bastidores dos incentivos econômicos no tocante a este tema.
Por um lado, a teoria da informação assimétrica é um dos assuntos mais instigantes da fronteira da ciência econômica, conquanto seja recente nessa literatura. De fato, foi somente em 2001 que houve formalmente uma reverência a dita teoria. Isto ocorreu quando três economistas – Michael Spence, Joseph Stiglitz e George Akerlof – foram agraciados com o Prêmio Nobel por suas fundamentais contribuições ao pensamento econômico atual. A partir daí, estudos de mechanism designs foram se tornando cada vez mais indispensáveis para os entendimentos acerca do que motivam as ações e reações dos agentes econômicos.
Por outro lado, um AC só pode ser aprovado se os benefícios gerados por este ato forem ao menos iguais aos custos derivados deste. Para observar se isso ocorre na prática no Brasil, análises ex-post seriam bem-vindas, até para o Cade aprender com seus erros. Como não há ditas análises, há que verificar se os mecanismos de incentivos atuais são robustos, no concernente à relação Cade-Requerentes, no âmbito de um AC.
É uma situação clássica de assimetria de informação, em que o Agente (Requerentes) tem mais dados do que o Principal (Cade). Se antes do julgamento do Tribunal pode-se ter problemas relativos à seleção adversa – quando o Cade desconhece o tipo do agente: se mentiroso ou não –, depois, se aprovado o caso, pode-se ter problemas atinentes ao perigo moral – quando o Cade desconhece se as Requerentes agirão de forma a repassar as eficiências à sociedade.
Se um AC apresentar uma análise custo-benefício negativa e se o Cade não o reprovar, este deve impor restrições em duas vertentes: para diminuir o custo ou para aumentar o benefício. É o que garantirá que o benefício líquido seja positivo. Dito de outra forma, o Cade pode impor restrições que: por um lado, mitiguem os custos derivados da análise da regra da razão e, por outro, garanta que os repasses dos benefícios gerados pela operação sejam concretizados (put you money where your mouth is). Afinal, se foram as Requerentes que trouxeram ao Cade esse conjunto de eficiências, é porque elas devem acreditam no que disseram ao Cade (independentemente de avaliações negativas por parte da SG ou do DEE). Deveria ser assim, mas pode não ser.
Pode não ser desta maneira porque, atualmente, a situação é descomplicada para as Requerentes. Elas dizem o que querem, pois, como não há custo envolvido em lorotar, não há, incentivo ao comprometimento com o que dizem. Na pior das hipóteses, do ponto de vista das
Requerentes, o Cade não aceita as eficiências. Como a operação é geralmente aprovada (basta observar a jurisprudência), às vezes com restrições não tão exigentes, para as Requerentes não há custo em ludibriar.
Cabe salientar que, do ponto de vista das Requerentes, sabendo que o Cade age assim, a sua melhor resposta é trazer ao Cade como eficiências “tudo e qualquer coisa” e tentar convencer o burocrata – que, obviamente, sabe menos do que elas – de que estas são exequíveis. Não são, destarte, as Requerentes que estão erradas. Elas agem racionalmente, de forma a maximizar a sua função objetivo, dada a ação observada e/ou esperada do Cade. É, consequentemente, um jogo que precisa ser melhor jogado por esta autoridade da concorrência, lembrando que este jogo é composto por ações e reações de agentes econômicos racionais.
O Cade é o Principal, que deveria criar mecanismos de incentivos para que as Requerentes (Agentes) revelem a verdade sem que ele peça que elas o façam. Se o Cade, entretanto, sinalizar à sociedade que aprova ACs sem considerar as eficiências, a lógica antitruste e a reputação desta agência podem ser colocadas em risco. Dado que a nova lei antitruste já está solidificada e dado que o “novo Cade” já está em funcionamento, é um momento de reflexão sobre outros importantes tópicos, como este.
Como a praxe é o Cade ficar com o “ônus” de comprovar se as eficiências são aceitáveis (o que representa tempo de seus funcionários, portanto, custo para a administração pública) e como existe expressiva assimetria de informação entre o regulado e o regulador, impor nas restrições que as Requerentes cumpram com o que disseram ao Cade que fariam, não deveria ser compreendido como “pedir muito” e inverteria este “ônus”.
Não se volta a lógica ex-ante da Lei no 8.884/94. O Cade segue tendo que apreciar um AC antes deste ser consumado. Seria dada, contudo, a oportunidade às Requerentes para elas cumprirem com o que disseram ao Cade que cumpririam, quando a operação fosse aprovada (fato que não ocorria com a lei anterior), criando o incentivo correto delas serem cautelosas com as eficiências trazidas ao Cade. Se o repasse das eficiências for comprovado pelo Cade, a sociedade será beneficiada. Se não, as Requerentes deveriam ser multadas e, no limite, terem a operação anulada. Este deve ser o custo por faltar com a verdade ao Cade. Não pode haver almoço grátis.
Conquanto este desenho de incentivos seja inusitado e possa causar estranheza, este deveria ser considerado como sendo uma possibilidade plausível, pois a inversão do “ônus” tem como objetivo gerar o incentivo (correto) das Requerentes revelarem a verdade quanto às eficiências. Se houver outro mecanismo, ótimo, mas a proposta trazida aqui é razoável e, se implementada de forma adequada (com metas, métricas e prazos), será pouco custosa ao Cade, especialmente à Procade, quem monitora ditas restrições.
Indubitavelmente, se o Cade aprovar ACs sem endereçar nos remédios os custos destes atos e, concomitantemente, garantir o repasse das eficiências, será o Brasil o grande perdedor. Para o bem do antitruste brasileiro, desse modo, o melhor é eles (Cade e Requerentes) agirem “juntos e misturados”.
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