Que Brasil eu quero para os próximos quatro anos?
- rafaelk2077
- 12 de out. de 2018
- 7 min de leitura
Não adianta o novo líder apresentar fórmulas mágicas ou populistas. É no campo fiscal que está o problema-mãe
A pergunta tem amplo espectro, mas a resposta é concisa: um Brasil crescendo de forma justa. Apesar da obviedade da resposta, a meta é desafiadora. À parte do dicotômico cenário político, as adversidades conjunturais e estruturais da economia são colossais. Independentemente da ideologia do futuro Presidente da República, o fato inconteste é que será impossível ser otimista, se a atual catástrofe fiscal do país não for devidamente endereçada.
Antes de argumentar acerca do mais importante desafio econômico brasileiro (o ajuste fiscal), é imperante assinalar quatro complicadores exógenos, que impõem revesses adicionais para o próximo governador do país. Quais sejam:
O primeiro complicador é o fato de se estar na era da informação, dos dados, da inteligência artificial, da conectividade, da internet das coisas e da indústria 4.0; distinta da era das usinas, das cimenteiras e das fábricas. A velocidade com que acontecem as coisas neste novo mundo – tempo de um clique – é uma de suas características mais marcantes, exigindo dos “velhos” (pessoas acima de 40 anos) esforço adicional na compreensão do alcance dos efeitos dessas inovações, lembrando que os dois candidatos à vaga da Presidência têm mais de 50 anos. Neste cenário, por exemplo, diferentemente do passado recente, surgem talentos como a gaúcha Luísa Sonza, cantora de 20 anos, casada com o humorista Whindersson Nunes (apontado como o segundo youtuber mais influente do mundo), que ficou famosa devido à internet. Em pouco tempo ela conquistou 9 milhões de seguidos no Instagram. É recomendável, assim, que o novo governante lesse “o Novo Poder”, dos australianos empreendedores Jeremy Heimans e Henry Timm, livro que disputa o prêmio do Financial Times de melhor obra sobre negócios de 2018.
O segundo obstáculo é cultural. A diversidade observada nos jovens impõe uma postura dos “velhos” distinta da que eles estão acostumados, não sendo, assim, ato trivial. Um exemplo desta “nova” turma é a rapper, paulista, de 18 anos, chamada Triz, que se considera uma “transgênero não binária”, por não se identificar nem com o gênero masculino, nem com o feminino. Segundo informa, “há um amplo leque de opções entre um sexo e o outro”. De fala mansa e carinhosa, e de voz afinada e agradável, seu estilo tem conquistado jovens, que não compartilham dos mesmos valores morais e éticos dos “velhos”. É improtelável compreender esses conceitos. A música “elevação mental” pode ajudar nesta tarefa, já que brada que estes valores sejam escutados.
O terceiro entrave é a proliferação de “fake news” e de “fake people”, que passou a ocorrer com maior frequência. Além de notícias falsas e maldosas divulgadas pela imprensa e pelas redes sociais, observa-se, também, pessoas que se fazem passar por quem não são, mostrando habilidade na formatação da mentira e inteligência para manter a verdade oculta. Exemplo recente ocorreu em São Paulo. Prem Baba, um suposto guru do amor que diz ter sido iluminado em 2002, enganou milhares pessoas com educação formal, como: empresários, políticos e artistas. No Congresso Internacional da Felicidade em 2017 em Curitiba, o guru reuniu mais de 3000 pessoas. Em vez de levar a paz, contudo, abusou sexualmente das discípulas e se enriqueceu com doações que recebia para manter “projetos do bem”.
O quarto óbice – para além dos obstáculos com as políticas protecionistas de Trump e do prognóstico de recessão nos EUA para 2020 feito por Nouriel Roubini há pouco tempo (aquele que previu a crise de 2008) – concerne à Venezuela. Primeiro porque lidar com imigração em massa (segundo a ONU, trata-se de mais de 1.5 milhão de pessoas) é tarefa complexa. De fato, manter a oferta dos já precários serviços públicos não tem sido possível. Segundo, porque a Venezuela, em crise financeira e com inflação de 1.000.000% em 2018, tem dívida com o Brasil. Terceiro porque o Brasil terá que se posicionar quanto ao regime político da Venezuela. Como dizia Churchill, a democracia é o pior dos regimes, exceto todos os outros. Sendo o único regime que propõe solução pacífica para seus conflitos, complicado participar do debate sobre intervenção militar neste país para interromper o governo de Maduro. Esta é a tese defendida pelo secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro, que foi interpelada por José Luis Zapatero, ex-primeiro ministro espanhol entre 2004 a 2011 e atual mediador nas negociações na Venezuela, que está disposto a dialogar e, no caso de uma intervenção, fazê-lo com aval do Conselho de Segurança.
Feitas estas 4 observações acerca de alguns contratempos para o novo líder, além de conter a desenfreada corrupção que assolou o país, é possível afirmar que os desafios econômicos não são pequenos. Não adianta, desta forma, o novo líder apresentar fórmulas mágicas ou populistas. Há que internalizar a gravidade da situação, respirar fundo, encontrar soluções factíveis e estruturadas, e implementá-las. Não se quer um antifebril, mas um medicamento para estancar a doença.
Neste sentido, é no campo fiscal que está o problema-mãe. Se este não for solucionado, nenhum outro tema poderá ser endereçado. A título comparativo, o atual desastre fiscal se assemelha à desenfreada inflação brasileira dos anos 80/90. De fato, até 1994, com o Plano Real, nada se podia pensar em termos de política pública, pois havia que eliminar o imposto mais regressivo existente: o imposto inflacionário. Ter debelado a inflação, portanto, não só aumentou o poder aquisitivo da população mais carente (que não tinha conta bancária), tendo sido um excelente programa social, como também deu espaço para planejar políticas eficazes. Não por menos em 2001 foram criados os programas bolsa-escola, cartão alimentação e auxílio gás, que mais tarde se converteriam no bolsa-família, tudo sob a tutela do economista de Berkeley e professor da PUC/RJ e do Insper, Ricardo Paes de Barros. É indubitável, destarte, ter como meta o ataque frontal à problemática fiscal. Refugá-la será atitude irresponsável, com consequências nefastas. Sem orçamento, o país submergirá num profundo buraco negro.
Resultado primário do governo é o fluxo de dinheiro que entra (impostos) e sai (gastos) dos cofres públicos, desconsiderando o pagamento dos juros da dívida. Dívida pública é o estoque do montante que o governo deve. Se computada anualmente, é a soma dos 12 resultados mensais. Nos anos 90, estipulou-se que o governo deveria ter metas primárias de superávit anuais (de aprox. 3% do PIB) para pagar os juros (de aprox. 6% do PIB) e diminuir o estoque da dívida. Foi o que ocorreu de 1991 até 2014. A partir daí, houve rápida deterioração fiscal, com sucessivos déficits primários da ordem de 2%, e, consequentemente, elevação da dívida como proporção do PIB, que estava em 52% em 2014 e fechará 2018 em 77%. Se esta sangria não for estancada a partir de 2019, assim, o país ou dará o calote da dívida (gerando custos indiscutíveis) ou terá que emitir dinheiro (que causará inflação, custo inquestionável). Não há alternativas, assim, para um governo responsável e preocupado com o bem-estar da população, senão ajustar o seu orçamento.
De fato, os gastos primários cresceram mais do que o PIB. Estes eram 15% do PIB entre 1998 e 2003 e passaram para 20% do PIB em 2016. Destes gastos, os “obrigatórios” representam 95% do total. Por isso, o investimento do governo (parte do gasto “discricionário”) alcançou míseros 0,5% do PIB nos últimos dois anos, podendo atingir a pífios 0,3% em 2019. O candidato ao cargo de Presidente que apontar para o uso de dinheiro público como fonte para promover crescimento precisa ser contestado imediatamente, pois o governo está quebrado. Os dados são irrefutáveis.
Dentre os gastos obrigatórios, o crescimento dos gastos previdenciários e dos salários do funcionalismo público federal saltam os olhos. O primeiro representa 14% do PIB em 2018, mais do que diversos países com população bem mais idosa que a nossa. O segundo, apesar de representar 2% do PIB (faltam os estaduais e municipais), além do crescimento ter sido expressivo, segundo estimativas do Banco Mundial, o servidor público brasileiro ganha em média 67% a mais do que trabalhadores do setor privado com a mesma qualificação e tendo funções semelhantes. É premente, desta forma, que seja feita uma reforma administrativa do setor público.
O INSS, em particular, representa 8,5% do PIB. O envelhecimento do brasileiro agrava a situação, mas o pior é que, como o salário mínimo é o piso dos benefícios de 2 entre 3 beneficiários, seu crescimento real de 150% desde 94 foi decisivo para a deterioração das contas previdenciárias. Enquanto o setor privado se aposenta com um salário médio (INSS) de R$1,3 mil, esse valor sobe para R$7 mil no poder Executivo, R$16 mil no Legislativo e R$27 mil no Judiciário.
Dentre as diversas outras mazelas feitas nos últimos 10 anos, vale citar, por fim, a inúmeras desonerações tributárias e subsídios creditícios. Entre 2003 e 2017, houve incremento da ordem de 3% do PIB nestes itens. Só entre 2010 e 2017, foram instituídas 298 desonerações tributárias.
Em suma, “o Brasil que eu quero” para o período 2019-2022 é aquele que seja, antes de tudo, democrático (respeitando o estado de direito e a propriedade privada) e sem corrupção; que respeite o cidadão nas suas diversas formas de ser; que compreenda que se está em uma nova Era; e que dialogue com o mundo de forma pacífica, estratégica e racional, sem ideologia. Além disso, que tenha a coragem de iniciar uma impopular reforma fiscal, para abrir espaço para financiar projetos de infraestrutura, de saneamento básico e no campo social – estes últimos tão importantes para diminuir a desigualdade e a criminalidade no país. Não se pode perder de vista que o Brasil é deveras desigual, com uma expressiva parte da população sem esgoto, educação ou emprego. Não queremos ser uma Belínda. Por isso, crescer (que já é um desafio por si só) não basta. O orçamento público precisa existir (em primeiro lugar!) para, então, ser priorizado em projetos que façam de fato o país crescer com menor desigualdade. Só assim o Brasil deixará de ser o “país do futuro”.
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